Entre o amor e o descontentamento: psicanalista reflete sobre o que é estar apaixonado nos tempos atuais
Fabiana Ratti, autora da coleção Café com Freud e Lacan, explica as diferenças entre as paixões e afirma que é possível estar apaixonado em relacionamentos duradouros
O quarto volume da coleção Café com Freud e Lacan, intitulado “Amor e sexualidade, questões atuais de relacionamento e os efeitos na saúde mental”, será lançado essa semana e um dos tópicos discutidos é a paixão.
De acordo com a pesquisa Love Life Satisfaction (Satisfação com a vida amorosa), divulgada em 2025 pela Ipsos, os brasileiros são os menos satisfeitos com a vida amorosa dentre os países latino-americanos, como México, Chile, Peru e Argentina. Fabiana Ratti, psicanalista e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, ao falar sobre o assunto, ressalta que é usual a referência da adolescência.
“O coração saindo pela boca, a ansiedade de ver e receber um recado ou telefonema, a perda da fome, um olhar ou um sorriso e o indivíduo se sentir fora do ar. Este efeito não tem a ver somente com a paixão, mas com o estado de Real, conceito da psicanálise criado por Jacques Lacan (1901-1981). O efeito de Real está diretamente relacionado com o novo, o que não tem representação, o que ainda não tem nome”, aponta a psicanalista.
Desta forma, a autora explica que quando sentimos algo especial por alguém, na adolescência, balançam todos os sentidos, primeiro porque existem fatores biológicos como hormônios juvenis e forte adrenalina. Depois, porque além da paixão, tudo é novidade.
“O sujeito nunca lidou com esta questão antes. O primeiro abraço com segundas intenções, pegar na mão, os beijos e encontros, e as declarações amorosas. Quando vem um elogio, uma possibilidade de romance, um olhar diferente, é como entrar em um outro mundo. O mundo do adulto”, afirma Fabiana.
A autora explica que é bem frequente adultos irem ao consultório e dizerem que gostam da pessoa que estão saindo, mas que não estão apaixonados. Quando interrogados como eles percebem que não estão apaixonados, vem essa representação de paixão da adolescência. Ela ainda adverte que é ineficaz ter esse referencial pois, o estado de Real faz tudo parecer enorme, diferente, toma outra dimensão. Este referencial estraga diversos romances atuais.
“Existem pessoas que terminam relacionamentos sérios por dizerem que não sentem borboletas no estômago e não dá para continuar. Com o passar do tempo, sentem saudades, começam a ver a diferença de estar com a pessoa e sentem que gostam mais da relação do que percebiam. Entretanto, ficavam em um padrão imaginário e fantasioso das paixões da adolescência”, ressalta a autora.

A busca pela adrenalina nos romances adultos
Segundo a especialista, as paixões têm padrões diferentes, dependendo da época da vida em que a pessoa se encontra. Um outro perigo são os romances tórridos que alguns adultos vivem, ou seja, encontros com alguém casado, ou algo proibido que não pode ser revelado ao público em geral, como namorar pessoas do trabalho, quando isso não é permitido.
“Acontecem encontros furtivos no meio do expediente, ficam na expectativa se a pessoa entrará em contato, transas tórridas acontecem em locais perigosos de serem vistos, novamente, são ‘confundidos’ com paixão. Traz adrenalina, ansiedade, o coração vem à boca, a expectativa para o encontro fica enorme”, comenta Fabiana.
Para Fabiana, também pode existir um jogo de sedução, de espera e mesmo de sofrimento. Um dos parceiros aparecer com outro em lugares públicos, fazer ciúmes, dizer que vai ligar e não ligar, atrasar, deixar esperando sem dar satisfações. E alguns dizem: “isso, sim, é estar apaixonado”.
“Tudo isso mexe com o emocional e o fisiológico do ser humano. Logicamente, para permanecer na relação, algum afeto mais forte um dos envolvidos nutre pelo outro. Entretanto, frequentemente, diversas outras questões emocionais estão em jogo como a carência, o narcisismo e o masoquismo”, explica a psicanalista.
Muitas vezes, quem provoca esse tipo de romance são sedutores, ou seja, pessoas que desenvolveram a arte da conquista, sabem o que o outro quer e gosta de ouvir. Divertem-se com o jogo, com a expectativa, com a sensação de deixar o outro sob domínio.
“As emoções frente a cantadas, convites, palavras afetivas, flertes distraem o ser humano de qualquer outra atividade mais ‘careta’ como estudo, trabalho e até lazer. A pessoa volta sempre a pensar no romance, tem dificuldade de concentração e até ri sozinha”, comenta ela.
No entanto, a psicanalista adverte que nem sempre é algo saudável e pode trazer ansiedade, insônia, perda de peso, término de relacionamento com pessoas estáveis e, não necessariamente, o romance avança.
“É comum que fique apenas no jogo, pois, um dos envolvidos na relação deseja apenas essa primeira fase. O que traz decepção, tristeza e mágoas ao parceiro. Que novamente tem a sensação: ‘Daquele(a) eu gostei. Sofri muito quando terminou’. É preciso buscar priorizar relacionamentos saudáveis e apaixonados sem entrar em jogos de sedução baratos e expectativas adolescentes”, afirma Fabiana.
Entretanto, a psicanalista afirma que mesmo com anos de relacionamento, é possível estar apaixonado: um olhar, o modo generoso de um cuidar do outro, programas e assuntos em comum. “Sem os arroubos da adolescência e nem as paixões doentias, o amor pode ser muito além de amizade e companheirismo se bem regado e cuidado ao longo da vida”, explica a psicanalista.
A obra, publicada pela Editora Unbewusste, será lançada no dia 30 de outubro de 2025, às 19h30, no Rotary Club São Paulo Sumaré (Rua Piracuama, nº 197 – Perdizes), com sessão de autógrafos e palestra da escritora.
Sobre Fabiana Ratti
Psicóloga formada pela PUC-SP, mestre em Psicologia Clínica pela PUC- SP e atuante no campo da Psicanálise desde 1998 com formação pelo IPP – Instituto de Pesquisa em Psicanálise, ela já impactou centenas de vidas com sua especialidade: montar redes de atendimento em saúde mental com abordagens inovadoras e humanizadas.
Autora do livro Inibição Melancólica: Um Estudo Psicanalítico sobre a Dor de Existir (2016), e das Coleções Café com Freud (desde 2023) e Clínica e Supervisão – Táticas e Estratégias Psicanalíticas (desde 2025), publicadas pela Editora Unbewusste.
Analista, escritora, professora, palestrante, supervisora clínica, atende diversos sintomas e faixas etárias, com mais de 25 anos de experiência em consultório particular, utiliza como base o referencial teórico da última clínica de Lacan.
Diretora da Clínica de Psicanálise Unbewusste com atendimentos, aulas online, grupos de estudos e supervisões. É Diretora da Editora Unbewusste Ltda, dedicada em publicar livros de psicanálise lacaniana. É também criadora do blog Artes e Debates, onde discute temas relevantes sobre saúde mental articulados às artes e à sociedade. Saiba mais: https://fabianaratti.com/