Uso inadequado do termo gera preocupação entre psicólogos e familiares de pacientes, que alertam para o impacto negativo da desinformação

O lançamento da música Borderline, da dupla sertaneja Maiara e Maraisa, acendeu um debate entre especialistas em saúde mental sobre o uso irresponsável de termos psiquiátricos em produções culturais. A canção, que descreve relações amorosas intensas, ciumentas e instáveis, usa o termo “borderline” de forma metafórica para ilustrar os altos e baixos emocionais de um relacionamento, mas especialistas alertam para o risco de banalização e desinformação.
Para Êdela Aparecida Nicoletti, psicóloga especialista em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pela Behavioral Tech (Seattle-EUA) e diretora do Centro de Terapia Cognitiva (CTC) Veda, o uso do termo de maneira equivocada compromete anos de trabalho contra o estigma relacionado a transtornos mentais. “Borderline é uma condição psiquiátrica grave, que vai muito além de emoções intensas em histórias de amor. Trata-se de um transtorno que envolve medo extremo de abandono, impulsividade, instabilidade crônica nas relações e risco elevado de autolesão e suicídio”, explica.
A especialista destaca que associar o transtorno a comportamentos passionais reforça estereótipos, dificulta o diagnóstico sério e agrava o isolamento de quem convive com a condição. “Produções culturais como essa ampliam a desinformação, reforçam preconceitos e afastam indivíduos do apoio de que realmente precisam”, aponta Êdela.
O impacto também é sentido na vida de quem lida diretamente com o transtorno. “Quando ouvem essas músicas, as pessoas acham que a gente é só dramático ou exagerado, mas ninguém vê o desespero real que é viver com isso todos os dias”, desabafa uma paciente diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, que preferiu não se identificar. Uma mãe de paciente também lamenta: “É como se transformassem uma luta diária em entretenimento. As pessoas cantam sem saber o que isso significa para quem vive de verdade.”
Êdela ressalta que a liberdade artística é legítima, mas temas de saúde mental exigem responsabilidade. “O ritmo da música é contagiante, o que torna o efeito ainda mais perigoso. Quando se populariza um conceito técnico de forma distorcida em uma canção de grande alcance, o prejuízo social é inevitável”, afirma.
A especialista reforça a importância de buscar fontes confiáveis e promover uma abordagem respeitosa dos transtornos mentais na cultura pop. “A saúde mental não pode ser reduzida a metáforas românticas. Precisamos lutar para que a informação correta prevaleça e ajude a construir uma sociedade mais consciente e empática”, conclui.