Mesmo com o avanço dos calçados confortáveis no mercado, Ana Paula Oliveira afirma que “não desce do salto nem dentro de casa” — e transformou esse hábito pessoal na criação de sua própria marca de sapatos.

No quinto episódio da nova temporada de And Just Like That…, Carrie Bradshaw é confrontada por um novo vizinho incomodado com o som dos seus passos firmes de salto alto. A personagem, conhecida por seu estilo marcante, responde que não pretende tirar os sapatos nem mesmo em casa. A cena, de tom leve, escancara uma questão que vai além da estética: para algumas mulheres, o salto não é apenas um acessório, mas parte da identidade.
A relação entre salto alto e feminilidade é construída por décadas de referências culturais, que reforçam a ideia de que a postura ereta, o andar marcado e os centímetros a mais conferem não apenas elegância, mas também confiança. No filme Barbie, de 2023, essa simbologia é apresentada de forma simbólica e quase cômica. A personagem principal entra em choque ao perceber que seus pés, moldados para se manterem permanentemente curvados para saltos, estão retos. O simples contato dos calcanhares com o chão representa uma mudança existencial em sua trajetória.
Na vida real, há mulheres que seguem incorporando esse mesmo gesto, mesmo diante de um cenário em que o conforto se tornou prioridade. O salto alto, para essas mulheres, continua sendo um código de conduta, uma afirmação silenciosa de estilo pessoal. Ana Paula Oliveira é uma delas. Aos 51 anos, ex-participante de reality show e figura conhecida por sua ligação com o carnaval paulistano, ela diz que sempre teve uma relação direta com o salto alto. Seu emoji favorito nas redes sociais é um escarpin vermelho. Dentro do reality show que participou, foi notada por usar salto mesmo nas situações mais triviais da casa. “Não desço do salto nem dentro de casa”, afirma.
A experiência com sapatos que machucavam os pés ou que não suportavam horas de uso levou Ana Paula a pensar sobre o que poderia ser diferente. Segundo ela, muitos modelos encontrados no mercado são bonitos, mas desconfortáveis, e acabam sendo usados uma única vez. A partir dessa frustração cotidiana, nasceu a ideia de desenvolver sapatos com foco em conforto, sem abrir mão da sofisticação. A primeira remessa da sua marca contou com materiais sintéticos, ainda em fase de teste. Com o tempo, ela passou a buscar fornecedores de couro e design autoral, com intenção de lançar uma linha com modelos exclusivos. A produção segue em andamento, com previsão de lançamento nos próximos meses.
Ana Paula afirma que sua intenção não é lançar moda, mas oferecer algo coerente com sua vivência pessoal. Ela acompanha o processo criativo de perto e se envolve com as etapas técnicas. A proposta é criar pares que possam ser usados ao longo do dia, sem gerar desconforto. Sua frase sobre “não descer do salto” resume o ponto de partida do projeto, mas também ajuda a ilustrar uma mentalidade ainda presente entre muitas mulheres que se sentem mais alinhadas com sua imagem quando estão alguns centímetros acima do chão.
Mesmo com a popularização de tênis de luxo, sapatilhas e sandálias ultraconfortáveis no mercado da moda, há uma parcela do público que continua fiel aos saltos. Durante a pandemia, o conforto doméstico ganhou protagonismo, e muitas marcas adaptaram suas coleções. Mas o salto alto permanece como uma peça de resistência simbólica. Em alguns casos, como o de Ana Paula, também como ponto de partida para um novo caminho profissional.
Sua marca surge em meio a esse contexto, não como reação às tendências, mas como um reflexo pessoal. O salto, para ela, não representa apenas vaidade, e sim postura, firmeza e continuidade. A escolha de permanecer com os pés arqueados não tem relação com o que está nas vitrines, mas com aquilo que permanece constante mesmo longe dos holofotes: o desejo de se reconhecer no espelho, calçando algo que faça sentido com quem se é.