Quando a mulher justifica a agressão, o ciclo de culpa e submissão perpetua a violência invisível
Recentemente, o mundo das celebridades foi abalado pelo caso de MC Ryan, acusado de agressão por sua ex-namorada Giovanna Roque. O que surpreendeu muitos foi a atitude de Giovanna, que não apenas minimizou a violência, como também se culpou pelo comportamento agressivo de Ryan. Essa reação chocante expõe uma questão delicada e alarmante: como as mulheres podem, muitas vezes, internalizar a culpa em situações de abuso, chegando ao ponto de justificarem a agressão como uma falha pessoal.
Esse comportamento, embora pareça incompreensível para quem vê de fora, é uma resposta comum em relacionamentos abusivos. “Muitas vezes, a mulher, ao longo de um relacionamento, se anula emocionalmente. Ela passa a acreditar que não merece amor, ou que precisa ser de uma determinada maneira para não ‘provocar’ a violência. Isso é um reflexo profundo da falta de autoestima e da desvalorização que esta mulher sofreu ou viu alguma mulher de sua família sofrer na infância. Podem ser padrões relacionais tóxicos com consequências traumáticas que se replicam na vida adulta”, comenta Ana Lisboa, psicanalista e mentora que tem ajudado milhares de mulheres a romperem esses ciclos destrutivos.
Estudos apontam que mulheres que experienciam violência, seja ela física, emocional ou psicológica, tendem a desenvolver uma forma de dependência emocional do agressor. Segundo um estudo publicado na Journal of Interpersonal Violence, as vítimas frequentemente acreditam que são culpadas pelas agressões sofridas, levando a um processo de autocensura. Essa dinâmica cria uma teia emocional complexa, onde o agressor se torna a pessoa de quem elas buscam afeto, apesar de ser o causador de dor e trauma.
Lisboa explica que essa culpabilização e autoanulação não nascem do nada, mas são fruto de anos de condicionamento desde o meio familiar ao social. “Há uma narrativa muito forte que nos ensina que, se algo deu errado em um relacionamento, a mulher deve assumir a responsabilidade. Isso pode ser visto em frases comuns como ‘mulher de verdade segura seu homem’ ou ‘ele só é assim porque foi provocado’. Esse tipo de pensamento não só perpetua o ciclo de violência, mas também valida a agressividade masculina como algo normal ou aceitável.”
Quando uma mulher, como Giovanna Roque, se vê numa posição de defesa de seu agressor, é sinal de que os papéis de vítima e algoz se embaralharam a ponto de ela não enxergar mais a própria dor como legítima. “Nesse ponto, o sofrimento dela é invisível até para ela mesma”, afirma Lisboa. “Ela se culpa por não ter sido boa o suficiente, paciente o suficiente. O amor se torna sinônimo de tolerância à violência.”
A normalização da violência em relacionamentos, especialmente quando justificada pela própria vítima, é um sintoma preocupante de uma cultura que ainda aceita a agressividade masculina como uma reação legítima em momentos de conflito. Lisboa ressalta que isso não é apenas um problema individual, mas uma questão social. “Precisamos parar de romantizar comportamentos abusivos, como ciúmes excessivos ou explosões de raiva. A violência não é prova de amor; é uma expressão de poder e controle.”
O ciclo de abuso emocional, que muitas vezes começa com pequenas agressões verbais ou psicológicas, pode escalar rapidamente para violência física. A vítima, ao culpar-se, reforça a dinâmica de poder do agressor, permitindo que o controle emocional se intensifique. E, à medida que a mulher tenta justificar a violência, ela se afasta de sua própria capacidade de reconhecer a necessidade de sair da relação.
“Meu trabalho é mostrar para essas mulheres que elas não são culpadas pela agressão que sofrem. O primeiro passo é fazer com que enxerguem a violência pelo que ela é – um crime – e não como um reflexo de suas falhas pessoais”, afirma Ana Lisboa. Ela acrescenta que, quando a vítima começa a se culpar, o agressor se fortalece, e o ciclo se perpetua. É preciso criar espaços de acolhimento e apoio, onde as mulheres possam recuperar sua autoestima e aprender que amor e respeito nunca devem ser sinônimos de dor e submissão.
A atitude de Giovanna é, infelizmente, espelho de uma realidade vivida por milhares de mulheres, que, presas em um ciclo de abuso, perdem sua identidade e voz. Enquanto continuarmos a romantizar o sofrimento feminino em nome do amor, a violência seguirá invisível, sendo perpetuada por quem deveria combatê-la. “O maior ato de amor-próprio que uma mulher pode ter é dizer não à violência, é reconhecer que a culpa não é dela, e que o amor saudável jamais será pautado pelo medo”, finaliza.
Ana Lisboa @analisboa
Psicanalista, líder do maior movimento de saúde mental e prosperidade feminina do mundo, Ana Lisboa é especialista em construção de comunidades e terapias sistêmicas, sendo pioneira em grandes movimentos na história das Constelações Familiares, tanto no Brasil como na Europa. Atualmente, após impactar milhões de vidas em suas redes sociais e possuir uma comunidade de mais de 32 mil alunas em 41 países, Ana ensina mulheres a usarem sua potência máxima para conquistarem dignidade e liberdade. Professora, palestrante, advogada, empresária, mestranda em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidade de Lisboa, especialista em Direitos das Mulheres, com quase uma década de aprofundamento nos conhecimentos sistêmicos, é fundadora do Movimento Feminino Moderno e CEO do Instituto Conhecimentos Sistêmicos.