Especialista em Relações Internacionais do CEUB comenta o caso, que pode interferir no futuro político dos EUA
A Suprema Corte americana iniciou o processo para analisar se o candidato Donald Trump deve ser excluído das primárias presidenciais republicanas do Colorado, devido ao suposto papel no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Danilo Porfírio, professor de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (CEUB), avalia os desdobramentos do caso. Segundo ele, independentemente da decisão que for tomada, levantará questionamentos sobre a imparcialidade da Suprema Corte.
Confira a entrevista, na íntegra:
Qual é o fundamento legal da decisão da Suprema Corte do Colorado para excluir Donald Trump das primárias no estado, com base na 14ª Emenda da Constituição dos EUA?
DP: A controvérsia levantada pelo Estado do Colorado e sua justiça gira em torno da inelegibilidade de Trump para participar das primárias. Argumenta-se que ele teria violado a 14ª Emenda da Constituição Americana, especificamente sua Seção 3, que estipula que qualquer indivíduo que atente contra a ordem democrática e republicana dos Estados Unidos comete praticamente um crime de traição, tornando-se inelegível. Em essência, é a ideia de que alguém que não reconhece ou conspira contra a ordem democrática não pode se beneficiar dela, especialmente no âmbito eleitoral. No entanto, é importante ressaltar que Trump ainda não foi condenado por seu suposto envolvimento nos eventos de 6 de janeiro de 2021. Assim, essa é a questão central em debate.
Como avalia a probabilidade da Suprema Corte dos EUA decidir a favor ou contra a participação de Trump nas eleições presidenciais de 2024, considerando a composição atual do tribunal e os argumentos apresentados?
DP: A probabilidade de uma decisão condenatória que impossibilitaria Trump de concorrer parece bastante remota, por três razões principais. Primeiramente, a falta de uma condenação judicial é crucial. Sem essa condenação, Trump não pode ser categorizado como um conspirador ou apoiador de rebeliões. Na perspectiva eleitoral, é improvável que ele seja privado do direito de votar e ser votado. Em segundo lugar, a Constituição Americana é uma carta principiológica aberta, o que significa que ela contém interpretações difusas e lacunas.
Essas lacunas podem permitir a candidatura de Trump, mesmo em circunstâncias como essa. A 14ª Emenda, por exemplo, não fala explicitamente sobre a proibição de direitos eleitorais, mas sim sobre as implicações penais e civis associadas ao apoio ou participação em insurgências e conspirações contra a ordem democrática e republicana. Portanto, há margem para interpretação e possíveis brechas legais, dadas a natureza difusa da Constituição. Por fim, a composição majoritariamente republicana da Suprema Corte também deve ser levada em consideração. Esta dinâmica política pode influenciar a interpretação e aplicação da lei em casos controversos como este.
Quais são os possíveis desdobramentos políticos e legais caso a Suprema Corte decida que Trump pode ser impedido de concorrer às primárias republicanas?
DP: A questão central reside no seguinte: embora Trump possa ser impedido de concorrer nas primárias republicanas, ainda poderia se candidatar de forma independente à presidência. Esta é uma das brechas a serem consideradas. Além disso, em uma situação em que não há condenação penal ou civil que ligue Trump diretamente aos eventos de 6 de janeiro de 2021, surge uma cadeia de inseguranças jurídicas. Essa decisão poderia ter repercussões alarmantes para os direitos políticos dos cidadãos comuns, até mesmo abrir precedentes para a relativização da liberdade de expressão e de manifestação. Portanto, há implicações a serem consideradas para além do caso específico de Trump.
Como a decisão da Suprema Corte sobre a elegibilidade de Trump pode influenciar a dinâmica política nos Estados Unidos, especialmente no que diz respeito à polarização existente?
DP: Qualquer decisão, seja contra ou a favor de Trump, inevitavelmente intensificará retóricas e ações polarizadoras. Se Trump for condenado, surgirá uma narrativa de martírio em torno de sua liderança proeminente, gerando descrédito entre seus seguidores e questionando a legitimidade do regime americano, conforme idealizado pelos Founding Fathers. Isso poderia justificar ações de radicalização da Direita por uma parcela da população republicana, que se sentiria excluída do processo democrático.
Por outro lado, se a decisão for favorável a Trump, os democratas e outros setores críticos do partido questionarão a integridade do sistema judicial americano, especialmente em relação à participação de Trump nos eventos de 6 de janeiro. De qualquer forma, as decisões da Suprema Corte servirão como sintomas expressivos de uma crescente fragmentação política nos Estados Unidos, refletindo as profundas divisões dentro da sociedade.
O papel de Trump no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 é central nas discussões sobre sua elegibilidade. Como essa situação impacta a interpretação da DP: 14ª Emenda e sua aplicação no caso específico?
DP: Essa questão deve ser decidida pela Suprema Corte. É importante compreender que a Seção 3ª foi concebida para preservar a unidade e a integridade do Estado americano, juntamente com seus fundamentos constitucionais. Não se pode permitir que uma autoridade política atente contra a própria ordem que a legitimou. Aqueles que conspiram contra o cenário político e jurídico não devem ser permitidos a participar dele.
No entanto, cabe destacar que não houve condenação judicial efetiva que colocasse Trump nesta situação. Esta questão é levantada no contexto eleitoral, não em termos legais, penais ou civis. Seguindo uma lógica simples, ninguém pode ser considerado culpado sem um julgamento justo e uma condenação adequada. Portanto, é crucial respeitar o devido processo legal, incluindo o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao duplo grau de jurisdição, que ainda não foram plenamente exercidos neste caso. Por isso acredito que, em princípio, Trump não será condenado e deverá manter o direito de participar das eleições.
Como avalia os argumentos da defesa de Trump de que os eventos de 6 de janeiro de 2021 não constituíram uma “insurreição”? Essa interpretação tem mérito jurídico?
DP: Em sua essência, uma insurreição implica em uma revolta, uma postura contrária que busca a ruptura da ordem estabelecida, muitas vezes com intenções golpistas e conspiratórias. Visa desacreditar a ordem política e jurídica vigente para estabelecer uma nova ordem, geralmente de maneira arbitrária e excepcional. No entanto, é importante diferenciar uma mera manifestação de descontentamento e uma verdadeira intenção de subverter o governo ou a ordem jurídica, como se viu na invasão ao prédio público. O âmago da questão reside no aspecto penal, especialmente relacionado ao ataque ao bem público.
Quanto ao mérito jurídico, há argumentos a serem considerados de ambos os lados, inclusive em outras partes do mundo, como no Brasil. Por exemplo, as manifestações de 8 de janeiro de 2023 são interpretadas como uma tentativa de golpe por alguns e como violação do patrimônio público e destruição de bens públicos por outros. Apesar da manifestação inicialmente pacífica ter se transformado em tumulto, não havia um plano explícito de golpe. No Brasil, esse tipo de manifestação pode evocar memórias de invasões e depredações do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, bem como de patrimônio público por movimentos sociais que reivindicavam direitos sociais, como ocorreu com o MST na década de 90 e 2000.
Qual é a importância do princípio da imunidade presidencial em relação aos processos criminais que Trump enfrenta, e como isso pode influenciar a decisão da Suprema Corte sobre sua elegibilidade?
DP: Outro ponto de controvérsia diz respeito à argumentação dos advogados de Trump, que sustentam que todas as suas ações, eventos e manifestações ocorreram enquanto ele ainda ocupava o cargo de presidente dos Estados Unidos, e, portanto, estaria protegido pela imunidade presidencial. Por outro lado, aqueles que se opõem alegam que a imunidade não pode servir de justificativa para conspirar ou agir arbitrariamente contra a ordem política e jurídica dos Estados Unidos. Se a Suprema Corte reconhecer a imunidade presidencial, fortalecerá a posição de que Trump não tem nada a responder e mantém as condições de elegibilidade para concorrer ao pleito presidencial.
Além das implicações legais diretas, qual é o impacto potencial, em termos de estabilidade política e confiança nas instituições, de uma decisão da Suprema Corte que possa ser percebida como uma interferência nas eleições?
DP: Qualquer que seja a decisão tomada, inevitavelmente levantará questionamentos sobre a imparcialidade da Suprema Corte. Embora as decisões judiciais devam ser respeitadas, se a decisão for contrária a Trump, poderá fortalecer a retórica de descrédito do regime americano, sugerindo que a América já não reflete os ideais dos pais fundadores.
Do mesmo modo, se a decisão favorecer Trump, poderá abrir uma caixa de Pandora, especialmente se ele voltar ao poder e intensificar essa retórica. Também pode gerar preocupações sobre a relativização do direito à livre manifestação e a validade de certos tipos de protestos. Os Estados Unidos estão passando por um momento especialmente sensível, em que questões sobre a democracia e a justiça estão sendo amplamente debatidas.
Considerando a possibilidade de a Suprema Corte decidir contra Trump, quais seriam os próximos passos políticos e legais que ele e seus apoiadores poderiam tomar?
DP: A primeira opção seria, de alguma forma, tentar impedir que Trump concorresse na condição de candidato independente. Antes disso, ele poderia adotar medidas para buscar uma revisão da decisão pela própria Suprema Corte no caso de uma decisão desfavorável. Como último recurso, poderia buscar um terceiro associado a Trump para ser eleito como porta-voz de seu projeto político. No entanto, essa última opção não tende a ser ideal, considerando o perfil e ego do candidato.